Há momentos na Baixada em que nenhuma palavra, de qualquer idioma, é capaz de traduzir. Só entende quem nasce com um coração Xavante bombeando sangue no peito. Lá pelas tantas desta tarde já eterna, esse idioma não verbal, só nosso, se manifestou. Foi por algo que aconteceu a pouco mais de 250 quilômetros de distância.
A bola estufou uma rede no Passo D’Areia, bairro meio afastado dos cartões-postais de Porto Alegre. Quando a boa-nova cruzou toda a Lagoa dos Patos e chegou à nossa arquibancada, o som que emanou dali foi a expressão máxima dessas coisas que não se diz em palavras. Mas não houve, entre nós, quem não entendesse.
Os jogadores, destinatários prioritários dessa notícia, entenderam rapidamente. A entrega, já no limite do corpo humano, foi ampliada por esforço da alma. Fernando encarnou a melhor tradição da nossa camisa 3, já envergada por gente do quilate de Silva, Régis e Camilo. Marcelo vai a cada partida se empenhando no trabalho de deixar a torcida mal acostumada com a ausência de sofrimento vindo daquele que nos defende debaixo das traves. Voltou a se multiplicar de tamanho quando precisamos, herdeiro que é de Martini e Carlos Eduardo.
A inspiração do passado sorriu ao lado do futuro: Léo Ferraz e Herisson, mandinhos formados na Baixada, não tremeram na fumaceira. Amadureceram meses, talvez anos, nesse entardecer de março.
E o que dizer de Marllon? Lapidou a ansiedade transbordante e, no papel de volante, deu as cartas quando o baralho do jogo lhe caiu nos pés.
O som da arquibancada após o gol do Zequinha e a peleia de todos manteve em alta fervura a alegria colhida aos 25 segundos de jogo, com o canhotaço do Thiago Santos. Uma fração de tempo antes desse chute, ele procedeu a mágica.
Quando inspirou oxigênio na medida exata para controlar a bola com o peito, Thiago Santos não deixou para trás apenas o zagueiro do Juventude. Aquele drible, literalmente feito também com o coração, teve o poder de suplantar a desesperança, o azedume e a descrença prematura.
Ok, tudo é sinal de amor, de gente que realmente se importa com o clube. Mas, às vezes, a paixão tem urgências que nos fazem gemer sem sentir dor. O legal é que ganhamos no mínimo mais dois jogos para falar desse jeito nosso, sem palavras.